quinta-feira, 21 de junho de 2012

Lobos da estepe

Tais são viventes do mundo moderno, mas que não vivem exatamente nesse mundo. Têm a mente fora desse emaranhado de informações que é oferecido à massa. Muitas vezes se desenvolvem como espécies de gênios - mas não leve como regra geral. São inconformados com a sociedade na qual se veêm obrigados à viver, seus ideias entram em conflito com os que efervecem pelas ruas. A maioria tenta, à melhor maneira possível, se integrar com o resto do mundo, por mais doloroso que isso possa no fundo ser. Eles se entregam à vida artificial, se entregam às comodidades, aos gostos populares quanto à música, cinema, alimentação, diversão e tudo mais. Porém, no interior de cada um, nos seus devidos gúlivers, habita um lobo, o seu "eu" mais puro e natural, intocável e imutável pela modernidade. De lá são capazes de partirem as mais frutíferas discussões, as mais brilhantes ideias, os mais inusitados gostos e afeições, as mais revolucionárias descobertas e até as mais insensatas paixões. Os mais sábios tem como prioridade essencial não deixar a sociedade reprimir tudo isso, ela até pode, por vezes, calar, mas jamais apagar.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

O Tapa Buracos

Em consequência da nossa inesgotável curiosidade, muito frequentemente nos deparamos com questões cujas respostas não sabemos, ou seja, mistérios. Comumente, o ser humano não gosta disso. Ele não gosta de não saber, ele acha desconfortável ter dúvidas em aberto, e geralmente ele também tem preguiça de pensar muito a respeito. Dúvidas representam insegurança e instabilidade, mas o ser humano gosta mesmo é que lhe determinem o que é certo e que lhe digam o que fazer, simplesmente por que é tão mais fácil, não é? Uau, então inventaram a mágica! – ou Deus, se você preferir denominar dessa maneira. Não se sabe a origem do Universo? É claro que não! Questões tão complexas e profundas como essa merecem muitos (muuuitos) mais anos de estudo para serem respondidas. Mas a resposta existe, o que (ainda) não existem são aparatos e mecanismos para conseguir determiná-la e divulgá-la mundo afora. O ser humano, como já disse, não gosta muito de não saber, por isso na maioria das vezes prefere dizer que foi Deus que criou o Universo, num espaço - absurdo, ilógico e antinatural - de 7 dias. Não saber em detalhes o porquê de uma questão não requer atribuí-la a uma entidade divina. Muito antes pelo contrário, não saber deve refletir no esforço para descobrir – sem essa história de conformismo e preguiça de pensar. E nem são só os deuses que servem como tapa buracos, existem muitos outros mitos e superstições que fazem esse papel. Aqui se encaixa muito bem uma frase do Todo Poderoso e Louvável Douglas Adams: "Não é o bastante ver que um jardim é bonito sem ter que acreditar também que há fadas escondidas nele?"
 A cada hora acontecem muitas descobertas científicas ao redor do mundo, se encontram curas para doenças, passam a entender os mecanismos de ação de certa bactéria, inventam uma nova tecnologia eletrônica... Tudo isso não era sabido até o segundo da sua confirmação, mas tudo já existia, de alguma maneira – e não foi criação divina. Quem descobriu a penicilina foi uma pessoa, e não um Deus.  Até anos atrás não se sabia como funcionava o código genético, não se sabia por que o céu é azul, nem como as ondas transmitem cores e sons (se bem que isso nem eu sei muito bem). Tantas coisas já foram descobertas, tantas dúvidas já foram exauridas, mas tantas mais ainda estão escondidas. As possibilidades são infinitas, e as dúvidas sempre vão existir! O questionamento do desconhecido é uma fonte inesgotável, sempre haverá um passo a mais para ser dado.
É nosso dever como espécie humana ir atrás das respostas, para que no fim isso se reflita na nossa própria evolução e aprimoramento, no sucesso e na perpetuação de nossa existência terrena. Atribuir esses passos adiante a uma entidade mágica, apenas por que eles são difíceis demais para serem compreendidos é impor uma barreira ao conhecimento. É tentar impedir que tais sejam questionados e examinados pelo incessante e obsessivo olhar científico, é não querer que sejam desmistificadas – por que assim é mais fácil de controlar e restringir os pensamentos das pessoas, assim é mais fácil que elas aceitem o que lhes é imposto pelas autoridades sem reclamar, sem lutar, sem questionar, sem pensar. Isso é assombroso.
Não podemos deixar que continue a se perpetuar essa maneia de agir e pensar na sociedade, principalmente nas escolas, nas igrejas, nas casas de família. Nós temos que aprender a questionar, a não ter vergonha de ter dúvidas, a não ter receio de pensar e a ver beleza no mistério. As crianças não podem ter seus questionamentos ridicularizados e reprimidos na sala de aula ou pelos próprios pais – certamente isso é um dos piores males possíveis de se fazer para a humanidade, sem necessariamente ter o desejo direto de fazê-lo. Vamos duvidar, vamos criticar, vamos refletir, vamos pensar, vamos errar e acertar, vamos inventar, vamos descobrir, vamos mudar, vamos reinventar. Esse é o nosso dever aqui, é assim que andamos para a frente, é assim que o mundo gira. E chega de tapar buracos.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Mistureba Generalizada de Todas as Coisas

- Que diabos é você? – perguntou Random.
- Eu sou o Guia. No seu universo, sou o seu Guia. Na verdade, habito o que é tecnicamente conhecido como a Mistureba Generalizada de Todas as Coisas, que significa... bom, é melhor te mostrar.
[...]

- Olhe para a chuva... – disse o pássaro-Guia.
- Estou olhando para a chuva! O que mais tem para olhar?
- O que você está vendo?
- Como assim, seu pássaro idiota? Estou vendo um monte de chuva. É apenas água caindo.
- Que formas você vê na água?
- Formas? Não tem forma nenhuma. É só uma... uma...
- Só uma Mistureba Generalizada – completou o pássaro-Guia.
- É...
- E agora, o que você está vendo?
Quase no limite da visibilidade, um feixe tênue e fino transbordou dos olhos do pássaro. No ar seco, protegido pela marquise, não se via nada. Mas nos pontos onde o raio atingia os pingos de chuva conforme caíam havia uma lâmina de luz tão brilhante e viva que parecia sólida.
- Uau, que ótimo. Um show de lasers – comentou Random, debochada. – Nunca vi um desses antes, é claro, só em uns cinco milhões de shows de rock.
- Diga-me o que você está vendo!
- Apenas uma lâmina plana! Pássaro burro.
- Não há nada ali que não estivesse ali antes. Só estou usando a luz para chamar a sua atenção para determinados pingos, em determinados momentos. E, agora, o que está vendo?
A luz se apagou.
- Nada.
- Continuo fazendo a mesma coisa, só que com luz ultravioleta, que você não consegue ver.
- E de que adianta me mostrar uma coisa que eu não consigo ver?
- Para que você entenda que só por que consegue ver uma coisa mão quer dizer que ela esteja lá. E que, se você não vê uma coisa, não significa que ela não esteja. Tudo se resume ao que seus sentidos fazem com que você note.
[...]
 - Percepção sem Filtros significa que você percebe tudo. Entendeu? Eu não percebo tudo. Você não percebe tudo. Temos filtros. O novo Guia não possui nenhum filtro sensorial. Ele percebe tudo. Nem era uma ideia tecnológica muito complicada. Era só questão de deixar algo de fora. Entendeu?
- Por que não digo simplesmente que entendi você continua falando do mesmo jeito.
- Certo. Agora, como o pássaro pode perceber qualquer universo possível. Entendeu?
- En...ten...diiiiiii.
- Então o que acontece é o seguinte: os palhaços dos departamentos de marketing e contabilidade dizem "Ah, que ideia genial, isso quer dizer que só precisamos fazer um desses e depois vamos vendê-lo um número infinito de vezes!". Não faz essa cara, Arthur, é assim que os contadores pensam!
- Mas é bem inteligente, não?
- Não! É incrivelmente burro. Veja bem: a máquina é apenas um pequeno Guia. Tem uma cibertecnologia bem interessante lá dentro, mas, por conta da Percepção sem Filtros, qualquer mínimo movimento que o Guia faça tem o poder de um vírus. Ele pode se propagar pelo espaço, pelo tempo e em um milhão de outras dimensões. Qualquer coisa pode se focar em qualquer lugar em qualquer um dos universos nos quais transitamos. O seu poder é recusivo. Imagine um programa de computador. Em algum lugar existe uma instrução principal e todo o resto não passa de funções recursivas, ou parênteses se propagando em uma enorme onda sem fim através de um espaço infinito de endereçamento. E o que acontece quando os parênteses colapsam? Onde fica o derradeiro end if? Isso por acaso faz algum sentido? Arthur?
- Foi mal, dei uma cochilada rápida. Era alguma coisa sobre o universo, não era?
- Alguma coisa sobre o universo, é - disse Ford, exausto. Sentou-se novamente.

(Trechos do livro “Praticamente Inofensiva”, volume cinco da série “O Mochileiro das Galáxias”, Douglas Adams - cap. 17 e 18)



Ao longo da existência da humanidade, desenvolvemos uma capacidade essencial à evolução e manutenção da espécie, a capacidade de adaptação. Contudo, ao mesmo tempo com que ela existe e permanece para aprimorar a nossa desenvoltura sob a Terra, também pode acabar por comprometer a nossa visão de mundo. A evolução aconteceu através da adaptação ao meio com o objetivo de conseguir aproveitar ao máximo os recursos existentes. A nossa percepção de mundo foi guiada por esse objetivo, vemos o que está ao nosso redor da forma que melhor nos convém, em prol de nossa própria sobrevivência. Bem, mas obviamente nada garante que a maneira mais conveniente é a mais verdadeira.

A Mistureba Generalizada de Todas as Coisas é, ao meu ver, como "Deus". Sim. Ela é a ocorrência de todas as possibilidades com relação a tudo o que existe. É a onisciência, onipotência e onipresença. A soma de todas as probabilidades, de todos os universos e dimensões, mas que não tem, por si mesma, tamanho algum. Agora, NÃO ENTRE EM PÂNICO. A Mistureba Generalizada não é nenhum vogon, muito menos alguma Besta Perfeitamente Normal. Ela não é nada de mais, é simplesmente tudo. E está aí, silenciosa e incessante como sempre vai estar. Ela não é boa nem má, ela apenas é. A nua e crua probabilidade. É possível alguma visão mais bonita de um Deus?